J. Filardo M⸫ M⸫
A questão é complexa, mas é unilateral pois não tem a menor importância do ponto de vista da Maçonaria. Para a Maçonaria, todas as religiões, crenças ou até mesmo a ausência delas, práticas filosóficas etc. são aceitas incondicionalmente.
A exceção fica por conta do ateísmo que geralmente não é aceito. Isso, entretanto, não é absoluto. Um ateu pode ingressar na Maçonaria se a Loja o aceitar, mas essa participação não faz o menor sentido diante do que é a Maçonaria em seu aspecto mais profundo, uma quasi religião, uma prática que se desenrola sobre a tênue linha que separa a filosofia da religião.
Entretanto, vejo alguns entraves à conciliação que precisam ser superados do lado católico:
O primeiro é o fato de que Maçonaria não é uma instituição homogênea e unificada. Assim, fica difícil para o Vaticano exonerar incondicionalmente todo católico que tenha ingressado na Maçonaria. A Santa Madre não tem garantias de que a obediência maçônica a que ele se filiou não está entre as que hostilizam a Igreja. A começar pelo deísmo ou teísmo, conforme a Confederação dos Bispos Alemães esgrimiu em sua reiteração da proibição papal.
O principal argumento dos defensores da ideia de que não há impedimento ao católico é que o Novo Código Canônico em seu cânon 1.374 exclui a Maçonaria (citada nominalmente no cânon 2.335 do Código Canônico de 1917).
Entretanto, o que pesa realmente são as palavras de Clement XII:
“Deste modo, Nós ordenamos precisamente, em virtude da santa obediência, que todos os fiéis de qualquer estado, grau, condição, ordem, dignidade ou preeminência, seja esta clerical ou laica, secular ou regular, mesmo aqueles que têm direito a menção específica e individual, sob qualquer pretexto ou por qualquer motivo, devam ousar ou presumir o ingresso, propagar ou apoiar estas sociedades dos citados Liberi Muratori ou Franco-maçons, ou de qualquer outra forma como sejam chamados, recebê-los em suas casas ou habitações ou escondê-los, associar-se a eles, juntar-se a eles, estar presente com eles ou dar-lhes permissão para se reunir em outros locais, para auxiliá-los de qualquer forma, dar-lhes, de forma alguma, aconselhamento, apoio ou incentivo, quer abertamente ou em segredo, direta ou indiretamente, sobre os seus próprios ou através de terceiros; nem a exortar outros ou dizer a outros, incitar ou persuadir a serem inscritos em tais sociedades ou a serem contados entre o seu número, ou apresentar ou a ajudá-los de qualquer forma; devem todos (os fiéis) permanecer totalmente à parte de tais Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações ou Convenções, sob pena de excomunhão para todas as pessoas acima mencionadas, apoiadas por qualquer manifestação, ou qualquer declaração necessária, e a partir da qual ninguém poderá obter o benefício da absolvição, mesmo na hora da morte, salvo através de Nós mesmos ou o Pontífice Romano da época.” (IN EMINENTI APOSTOLATUS SPECULA, 28 de abril de 1738).
Note-se que o Clemente não fala em sociedades que maquinam contra a Igreja. Ele cita nominalmente os “Liberi Muratori ou Franco-Maçons” .
Aí entra em cena o segundo problema, onde se esbarra com um dogma da Igreja Romana: a infalibilidade do Papa. Exonerar os católicos maçons significaria declarar que o Clemente estava errado e indiretamente que o Espírito Santo estava errado. Papa nenhum vai fazer isso e somente uma bula papal teria o condão de fazê-lo, e somente o “Pontífice Romano da época” pode absolver o católico excomungado nos termos da bula.
E, last but not least, a Santa Madre é taxativa ao afirmar que não existe salvação fora dela. Assim, um verdadeiro católico (nível polonês ou irlandês) comunga inteiramente com o princípio de que sua alma somente será salva dentro do Catolicismo e não ousará colocá-la em perigo.
Os católicos “hereditários” (católicos somente porque a família é ou foi e que não compreendem verdadeiramente o que seja uma religião), por sua vez, sempre encontrarão uma desculpa para ingressar na Maçonaria, identificando-se geralmente com o REAA por sua pompa e circunstância.
Esses católicos estão apostando suas almas no jogo do Juízo Final, mas, afinal, a alma é deles, não é?
Mas, vez por outra o assunto vem à baila e rios de tinta correm em sua discussão. O excelente blog FREEMASON.PT publicou um estudo primoroso de Fernando Monteiro e Cláudia Neves da Silva sobre a espinhosa questão.
Mesmo considerando a desimportância da questão do ponto de vista da Maçonaria, é esclarecedora a discussão para que os maçons se lembrem de esclarecer esse ponto ao entrevistar um possível candidato ou ao formular um convite formal a um conhecido para ingressar na Maçonaria.
A Maçonaria e o novo Código de Direito Canónico: uma conciliação possível?
Publicado em FREEMASON.PT
Por Fernando Monteiro e Cláudia Neves da Silva

- Introdução
- A Maçonaria
- De Agremiação de Pedreiros à Espaço Especulativo
- Maçonaria: definição e princípios
- Maçonaria X Igreja Católica
- A “Machinatio” Maçónica
- O novo Código de Direito Canónico
- Considerações Finais
- Referências bibliográficas
Introdução
No dia 28 de abril de 1738, o papa Clemente XII promulgou a bula In eminenti apostolatus specula, que entrou para a história, por ser a primeira condenação pontifícia da Maçonaria. Apenas 21 anos separavam este documento da data que se costuma indicar como o início da Maçonaria moderna: 1717. A pergunta que fica é: quais razões, de facto, levaram a Santa Sé a condenar uma sociedade de homens que, pelas suas características, ainda não podia ser suficientemente conhecida das autoridades romanas daquele tempo? Entre as várias tentativas de resposta, Alec Mellor, advogado católico francês iniciado na Maçonaria, a 29/03/1969 sustenta que “o motivo da condenação não era religioso […] os motivos do Papa eram de ordem política e ligados ao destino da infeliz família real dos Stuart, destronada e refugiada em Roma, sob a protecção da Igreja.” (apud Hortal, 2002, p. 7). Para Benimeli, no entanto, “esta hipótese, [é] totalmente insustentável do ponto de vista histórico, à luz da documentação vaticana da época.” (Benimeli; Caprile; Alberton, 1998, p. 28).
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