J. Filardo
Bibliotecário

Os maçons operativos não chegaram ao planeta em uma nave espacial. Eles eram os herdeiros de uma tradição construtiva que evoluiu durante a história da humanidade, desde os abrigos pré-históricos mimetizando as cavernas, até o estado da arte da arquitetura moderna com seus novos materiais e estilos arquitetônicos.

Temos elementos materiais que testemunham essa evolução em todos os continentes, demonstrando a capacidade humana de encontrar soluções para a construção de seus abrigos e outras obras espetaculares como Machu Pichu, as pirâmides e tantas outras maravilhas do mundo antigo.

Entretanto, para saber sobre os maçons operativos, devemos voltar às nossas raízes no Império Romano.

Uma das instituições onipresentes no império romano eram os Collegia.  Havia collegium para tudo, profissões, atividades religiosas, funerárias, diferentes interesses.  Eram associações criadas em benefício de seus membros e que funcionavam, por vezes, como sindicatos.

Havia, por exemplo, uma associação que assegurava aos seus membros um enterro decente, de acordo com os costumes romanos. Outra reunia os alfaiates, os tanoeiros, os pescadores etc. Todos eles tinham um presidente, um tesoureiro, um secretário.

Um desses colégios era o Colégio de Construtores. Contava com uma estrutura em que aprendizes ingressavam no colégio, eram treinados nas diferentes profissões e tornavam-se mestres construtores.  Eram responsáveis pela construção dos edifícios oficiais e um colégio desses sempre acompanhava as legiões romanas, encarregado da construção de acampamentos, engenhos de guerra, pontes e outras necessidades das tropas. Seguiam a religião romana popular – o mitraismo – e tão logo chegavam ao local da construção do acampamento da legião, construíam um mitraeum para o culto.

Pois bem, quando os bárbaros invadiram Roma no século V, os colégios foram perseguidos e foram obrigados a fugir para o norte, encontrando abrigo junto aos Lombardos na região de Milão, mais precisamente na incipiente república de Como, à beira do lago de mesmo nome.

Surgiram assim os Mestres Comacines,   pedreiros lombardos que trabalhavam em uma região de excelente pedra de construção e que deram à Lombardia sua preeminência na arquitetura de pedra que precedeu o estilo românico1. Eles eram considerados os melhores construtores da Europa Ocidental durante a Idade Média2A expressão “Magistri Comacine” aparece pela primeira vez no código do rei lombardo Rotharis (636-652), onde nas leis de número CXLIII e CXLV aparecem como mestres pedreiros dotados de amplos e ilimitados poderes para celebrar contratos e subcontratos de obras; ter seus membros colegiados ou “colegas”, membros da guilda ou fraternidade; chamá-los como quiserem – e, finalmente, seus servos ou trabalhadores2.

A queda o Império coincidiu com a difusão do cristianismo, que crescia avassaladoramente entre os mitraistas, devido às “coincidências” entre o deus Mitra e o novo messias, que facilitaram a migração dos pagãos para a nova religião. E o mesmo se passou com os Collegas.

Essa época também coincidiu com a expansão do monasticismo, um movimento religioso que teve início no Egito e na Síria no Século IV e rapidamente se espalhou para o ocidente. No final do século IV ele já era conhecido na Itália e na Gália (atual França). O que começara com indivíduos buscando a salvação no deserto, metamorfoseou-se em uma série de formas sociais. Os grupos eram muito pequenos: uma viúva casta vivendo em sua própria casa com sua filha virgem, um casal vivendo em continência junto a um oratório, um pequeno grupo de homens vivendo celibatários em uma ilha.  Na época de Agostinho de Cantuária, o clero monástico era vinculado a igrejas episcopais e assim iniciou-se a longa tradição de cônegos regulares. Igrejas separadas para monges e freiras, conhecidas como mosteiros também de desenvolveram rapidamente. Em alguns casos os mosteiros para monges eram contíguos aos de freiras – eram chamados “mosteiros duplos”. Uma vida comunitária separada – o cenobitismo – encontrou seu modelo perfeito no mosteiro e regra de Bento de Núrsia, que floresceu na Itália em meados do século VI. (Universidade de Cambridge)

Nada mais natural que esses grupos estruturados de profissionais assumissem a forma de ordem monástica e se dedicassem a fazer o que sabiam fazer de melhor: construir templos (anteriormente pagãos e agora cristãos).

É preciso lembrar que um monge não é um sacerdote.  É um leigo que ingressa em uma ordem monástica que é uma prelazia particular do Papa, não respondendo à hierarquia da Igreja.

Com o passar do tempo, os monges construtores precisaram de trabalhadores qualificados que não eram necessariamente monges e as companhias de pedreiros separaram-se da estrutura monástica e por volta do século X se transformaram em corporações independentes que tinham assento no conselho das guildas que administravam as cidades.  As guildas ou corporações eram a mais característica forma de organização econômica e social das cidades medievais. Tratava-se de uma associação profissional organizada para proteger e promover interesses especiais. O surgimento das corporações estava relacionado ao processo de renascimento comercial e urbano que ocorreu por volta do século X. As guildas ou corporações de ofício eram associações formadas por artesãos profissionais e independentes (sapateiros, ferreiros, alfaiates, marceneiros, carpinteiros, artesãos, artistas) em igualdade de condições, e eram destinadas a proteger seus interesses e manter privilégios conquistados. Eram formadas hierarquicamente por mestres, oficiais e aprendizes. As guildas surgiram na Baixa Idade Média (século X ao século XV) e estão intimamente relacionadas com as Cruzadas, o desenvolvimento comercial europeu (renascimento comercial-urbano), crise do absolutismo e do sistema feudal, formação das monarquias nacionais, bem como o surgimento da burguesia.

Com a expansão do Cristianismo, a Igreja Católica se fortaleceu e em sua expansão os papas enviavam missionários às regiões distantes do mundo conhecido, além mesmo das fronteiras do falecido império romano. Esses missionários sempre se faziam acompanhar de monges construtores que construíam as igrejas e mosteiros fundados após a evangelização.

Foi assim que em 431 C.E., bem antes da política da igreja de envio de missões, o Papa Celestino I enviou o monge Palladius à Irlanda visando converter os irlandeses ao cristianismo.  Palladius foi o primeiro bispo católico na Irlanda, muito antes de St. Patrick.

Da Irlanda, os monges atravessaram para a Escócia, onde:

Em 563 C.E., o monge Columba enviado do papa, com quarenta e um anos, deixou a Irlanda e foi fundar um mosteiro nas Hébridas em Iona, uma ilha pequena, mas relativamente fértil, situada na ponta ocidental da Península de Mull. Iona, Mull, as ilhas vizinhas de Tiree e Coll, bem como Colonsay, Jura e Islay, mais ao sul, juntamente com a parte continental de Argyll, pertenciam todas ao reino irlandês Dál Ríata; e os anais dizem que Columba recebeu Iona como uma concessão do rei, Conall mac Comgaill. Columba também fundou mosteiros na Irlanda, dos quais os mais famosos, Dur row e Derry, foram ambos provavelmente fundados depois: Durrow parece ter sido fundado por volta de 590, enquanto Fachrae mac Cíaráin, “um dos dois fundadores de Derry”, segundo alguns registros, morreu em 620. Columba era membro da família Cenél Conaill, governante de um reino que incluía a maior parte do moderno Condado de Donegal. O seu sucessor imediato na abadia de Iona, Bathne, também pertencia à família dos primeiros convertidos ao cristianismo na Irlanda. Essa ligação com a família Cenél Conaill era importante, principalmente porque ela esteve num dos dois picos do seu poder, entre c. 560 e 642, época das missões.

Na Inglaterra, o papa Gregório I enviou o monge Agostinho a Cantuária (Canterbury), acompanhado de monges que construíram, mais tarde, a Catedral de Canterbury e a Catedral de York.

Assim, tanto no continente quanto nas ilhas, do século VI até o século X os monges construtores se transformaram em companhias de pedreiros sob a forma de corporações de ofício.

Na Escócia, eles pertenciam às corporações de carpinteiros e ferreiros, porque as construções eram de madeira e eles eram minoria no setor de construção.  As corporações participavam do governo das cidades, conforme dissemos acima e o conselho municipal tinha direito de ter um membro na corporação para fiscalizar o cumprimento de normas.  Esse membro extraordinário deu origem à figura do Diácono do REAA.

A corporação se reunia oficialmente na presença desse diácono, mas, quando queria tratar de outros assuntos em que não era interessante ter o diácono presente, eles se reuniam em segredo, em locais distantes da sede do município. Esse é um dos componentes da necessidade do segredo das lojas, e que foi incorporado à novidade inventada no século XVI, a Maçonaria.

No continente, no mesmo período, os mestres construtores criaram fortes corporações leigas de pedreiros e construíram as igrejas, mosteiros e conventos. Nada impedia, porém, que um monge construtor fizesse parte da corporação.

Um elemento que demonstra a metamorfose dos Colégios Romanos em corporações de mestres construtores é a basílica. 

A basílica era o local onde a autoridade – o basileu – ministrava justiça.

Como essa era a planta que eles sabiam construir, quando começaram a construir igrejas, eles adotaram o modelo, ajustando-o a conceitos religiosos cristãos. Por exemplo, a basílica romana foi replicada, agora sob a forma de três estruturas lado a lado, para representar a Trindade cristã.  Surgiram as basílicas de três absides.  Conservaram em uma das extremidades, o assento da autoridade, agora transformado em altar religioso (no lugar do altar pagão existente no edifício romano.

Algumas plantas de igrejas basílicas conservaram os dois espaços reservados ao basileu em sua nave principal, como, por exemplo a Igreja Basílica de San Piero a Grado (em Pisa, Itália) que tem sua entrada na parede lateral e dois altares na nave principal.

Vistas laterais da Basilica de San Piero a Grado (Pisa) mostrando a entrada na lateral.

Mas, a maioria das basílicas seguia a planta típica de três naves, com uma abside maior na nave principal e duas ábsides menores nas naves laterais.

Planta típica de Igreja Basílica

Outra característica da construção dos mestres comacines era o arco redondo, típico dos romanos que foi conservado até que as influências árabes e levantinas introduziram o arco ogival, aquele pontudo e a arquitetura comacine evoluiu para o gótico que explodiu nos séculos XII até XIV com as maravilhosas catedrais góticas europeias.

E essa história maravilhosa é contada no novo livro que publicamos recentemente – OS CONSTRUTORES DA CATEDRAL: A HISTÓRIA DE UMA GRANDE GUILDA MAÇÔNICA de Leader Scott, que mostra os maçons operativos em ação e treina nosso olhar para as características, estilos e elementos arquitetônicos das catedrais europeias.

Ornamentos comacines na Basilica de San Piero a Grado

O livro é amplamente ilustrado e pode ser encontrado em cores na Amazon e tanto em cores quanto em preto & branco no Clube de Autores.

Nele temos os nomes daqueles mestres construtores responsáveis pelas maravilhas que até hoje podemos visitar na Europa. Conhecemos seus estilos, conhecemos sinais de sua passagem pela história.

É um livro que deve ser lido antes de viajar para a Europa. O conhecimento de seu conteúdo transformará a viagem em uma experiência encantadora e significativa, principalmente para um maçom.