Por Kennyo Ismail
O Apostolado, nome pelo qual era chamada a “Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz”, foi uma Ordem de caráter conservador e cristão, criada por José Bonifácio, em 1822. Seu objetivo era de criação de “uma comunidade luso-brasileira de países autônomos”,[1] freando os liberais por meio de uma monarquia constitucional.[2] A ideia era fazer contraponto ao movimento de total independência do Brasil e alinhamento com os países que estavam conquistando independência na América espanhola.
Acredita-se que José Bonifácio teria sido motivado pelo golpe de Gonçalves Ledo que, aproveitando a costumeira ausência do Grão-Mestre Bonifácio às assembleias do Grande Oriente do Brasil, teria elegido por aclamação Dom Pedro I como Grão-Mestre.[3]
A Ordem era dividida em três graus: recruta, escudeiro e cavaleiro.[4] Para Frei Caneca, era um:
clube de aristocratas servis que protegem, procuram e propagam por todos os meios a escravidão do Brasil, contanto que eles também tenham seus escravos, a quem pisar {…} São uma praga de gafanhotos devastadores {…} que têm chegado a penetrar o santuário do soberano Congresso e contaminar seus membros {…}; trazem espiões que pesquisam, vigiam e denunciam ao ministério todos os que julgam inimigos, não da causa do Brasil, sim do despotismo ministerial.[5]
Dentre as várias ações promovidas pelo Apostolado, tem-se: “enganar o povo com calúnias sobre a Maçonaria (…); contratação de populares para incitar o povo contra os maçons; abaixo-assinado para deportação e ásperos castigos para maçons; prisão e deportação de maçons (…)”.[6] Foram explícitos à época os esforços de Bonifácio em defesa da abertura de uma Devassa contra o Grande Oriente do Brasil e seus integrantes mais proeminentes, acusados por este de conspirar contra o Império sob a liderança de Ledo. Muitos, incluindo Ledo, foram punidos e, quando no final de 1822 foi publicado um decreto de anistia, a que Bonifácio se opôs ferozmente, mas em vão.[7]
Ao se analisar tais ações e histórico do Apostolado, verifica-se uma posição de rival da Maçonaria, “que veio a ocasionar tantos desgostos e chegou quase até a pôr em risco a paz interna do Brasil, nos momentos solenes da proclamação da Independência”.[8]
Um desses presos foi Cipriano Barata, que creditou a perseguição ao Apostolado, tendo afirmado que “o Apostolado persegue os maçons” e que a Devassa foi a mando de José Bonifácio. [9] Ele ficou preso por sete anos.
Boletins Informativos do GOB trazem sua posição contrária ao Apostolado. Conforme a publicação oficial da potência, Dom Pedro I, ao fechar o GOB, deu “acesso às sugestões e intrigas do apostolado”.[10] Ainda, que o Apostolado “tratava de fazer desaparecer o Gr. Or. por qualquer modo” e que os Irmãos tinham “notícia das hostilidades e manejos ocultos do Apostolado”.[11] E também que “os membros eminentes do Apostolado excitaram e amotinaram o povo contra os verdadeiros maçons, chegando a pedir a deportação e as cabeças de nossos IIr.´., com alaridos e gritos, com apupos e pedradas!”[12]
O então Grão-Mestre Geral, Joaquim Saldanha Marinho, apresentou uma curiosa opinião sobre José Bonifácio e o Apostolado:
Os que olvidaram os seus juramentos em conquista de valor político e de posições vantajosas, puseram em prática quanto o seu temor lhes aconselhou: não faltaram carbonários, e até foi criado o histórico Apostolado, que foi animado e dirigido por aquele mesmo que, tendo sido elevado pela Maçonaria, lhe prometera, com juramento, fidelidade e sujeição à vontade nacional.
Prisões, deportações e toda a sorte de violências foram liberalizadas a quantos honrosamente se haviam conduzido no seio da Maçonaria e que a dirigiam.[13]
Mas nada disso impediu que, em 2022, duzentos anos depois, o Grande Oriente do Brasil “reorganizasse” o Apostolado, que era uma Ordem antimaçônica, conservadora, responsável pelo fechamento do GOB e pela prisão de diversos irmãos; declarando-a como sendo uma Ordem maçônica progressista, ao contrário do que os registros apresentados pelos historiadores e seus próprios boletins oficiais comprovam.[14] E assim, o princípio maçônico de busca da verdade é ferido de morte, em prol de uma “pós-verdade”, em que os fatos históricos são ignorados de modo a favorecer os interesses pessoais e/ou institucionais.
Notas
[1] VALENCIANO, T. Política versus maçonaria: qual é a relação entre elas na República Velha (1889-1930)? Anais do I Seminário Internacional de Ciência Política. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, setembro de 2015, p. 7.
[2] DA COSTA, E. V. Brasil: história, textos e contextos. São Paulo: Unesp, 2015, p. 52.
[3] DA SILVA, S. V. A participação da Maçonaria brasileira na defesa do ensino laico e na criação e manutenção de escolas no final do século XIX (1869-1900) no Brasil. Dissertação. Universidade Federal Fluminense. Santo Antônio de Pádua, 2018, p. 41.
[4] BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência (Brasil, 1790-1822). Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2002, p. 287.
[5] MELLO, A. J. Obras políticas e litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Recife: Typ. Mercantil, Vol. 2, 1875, p. 317.
[6] GREGÓRIO, C. Apostolado: perjúrio e tradição na Maçonaria. Jornal Maçonaria Tupiniquim, Vol. 5, junho de 2022, p. 3.
[7] OLIVEIRA, C. L. S. A astúcia liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro (18201824). São Paulo: Ícone, 1999.
[8] DE VARNHAGEN, F. A. História da Independência do Brasil. Vol. 3, Tomo 5. São Paulo: Ed. USP, 1981, p. 123-124.
[9] VIANNA, H. V. Contribuição à História da Imprensa Brasileira (1812-1869). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, p. 475-476.
[10] Boletim do Grande Oriente do Brasil. Ano 3, Número 11, novembro de 1874, p. 513.
[11] Boletim do Grande Oriente do Brasil, Ano 5, Número 02, fevereiro de 1876, p. 49.
[12] Boletim do Grande Oriente do Brasil, Ano 22, Número 3-4, maio e junho de 1897, p. 159.
[13] MARINHO, J. S. O passado e o futuro da Maçonaria. Boletim do Grande Oriente do Brasil, Ano 13, Número 7, julho de 1884, p. 180.
[14] GOB. Primeira Ordem Maçônica Progressista de 1822 genuinamente de origem Brasileira é reorganizada pelas maiores Lideranças Maçônicas do GOB. Disponível em: https://www.gob.org.br/primeira-ordem-maconica-progressista-de-1822-genuinamente-de-origembrasileira-e-reorganizada-pelas-maiores-liderancas-maconicas-do-gob/
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Pela primeira vez que leio um trabalho mostrando a verdade. Obrigado.
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