Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Maçonaria

Maçonaria – Fraternidade ou Networking?

Tradução José Filardo

A universalidade espiritual das origens deu lugar a uma simples ferramenta de favorecimento na carreira?

Opiniões

Alain Bauer – Ex Grão Mestre do GODF

Maçonaria e rede de contatos? Um erro semântico… Rede de contatos, ou Networking é em primeiro lugar uma rede de malha fechada. Você se encontra ali sem escolher. Ela se constitui com base em afinidades escolares ou universitárias. A entrada na Maçonaria tem uma natureza diferente. Ela exige um esforço pessoal para entrar em uma loja e funciona exatamente ao contrário de uma seita. É difícil entrar e fácil de sair.  Existem exceções raras e muito condenáveis; ela não lança redes de malhas apertadas para recrutar seus membros. Alguns são convidados a entrar, outros fazem estes esforços de maneira bastante pessoal. Todos são submetidos ao mesmo percurso iniciático que não tem grande coisa a ver com um conjunto de circunstâncias ou uma simples adesão mediante pagamento de taxa.

A oportunidade da maçonaria realmente regular – aquela que se apoia nos valores de seus fundadores (Newton, Desagulliers, Roettier de Montaleau…)-  é de impor um percurso lento, um verdadeiro encaminhamento hermenêutico, que desperta os espíritos e libera as consciências. Seu ritual não é uma liturgia. Não existe um sacerdote intercessor, e a relação com o Criador tem origem na escolha individual, que não se discute, uma vez que ela permanece na esfera pessoal. Alguns fazem disso uma regra absoluta, outros como o Grand Orient de France a consideram como uma escolha íntima. O drama é de acolher também os irmãos e irmãs que desejam se aproveitar dela. Mais frequentemente, por meio das fraternais, associações profanas, por vezes muito elitistas que se desviam dos valores afirmados pelos fundadores e a grande maioria dos aderentes. Deste ponto de vista, a rede de fraternais é claramente uma rede como as outras. Elas poderiam perfeitamente viver e se desenvolver sem o cuidado devotado a pertencer a uma ordem iniciática, simbólica e progressista.

A Maçonaria é, sobretudo, vitima dela mesma, de sua tolerância grande demais com as estruturas paralelas e, com frequência, predadoras. Ele foi também foi vítima de sua proximidade com o poder que tanto ela contribuiu para cria-lo em numerosos países ocidentais e africanos. Com frequência, um refúgio para os opositores e militantes dos direitos humanos, algumas obediências não suportaram a entrada de alguns deles nos governos. Ela pagou o preço, vindo até mesmo, nos Estados Unidos, a proclamar sua total impermeabilidade aos assuntos públicos, onde começa a morrer lentamente de velhice, por falta de debates, e se contentando com ações honoráveis de beneficência, mas despojadas de qualquer pedagogia dos valores de liberdade, igualdade de fraternidade. Uma parte importante resiste entretanto a esta pequena morte continuando a se engajar pelo bem comum.

Mas, o risco está sempre presente. Como na Igreja, há sempre mais crentes que praticantes. E, assim, a ameaça de se tornar um “networking como qualquer outro” é latente. O charme da maçonaria reside na construção de um equilíbrio sutil entre ação iniciática íntima e liberadora e o engajamento social e cidadão. Além disso, é preciso que as obediências que reúnem livremente lojas criadas segundo o bonito slogan do maçom Jean Mourgues, para “regular o caos” decidam-se a reafirmar os valores essenciais, reduzir e contingenciar o lugar  das fraternais, e afirmar a mensagem universal da iniciação. Algumas tentam, outras estão perseguindo uma regularidade ilusória, de um “Triplo A” maçônico fornecido do estrangeiro como prova de conformidade, muito longe de ser uma garantia de vitalidade. O dia em que a maçonaria se tornar um “networking como os outros”, ela estará diante da leitura final de seu necrológio.

 

Roger Dachez – Presidente do Instituto Maçônico da França

Eu gostaria, primeiro, de responder a uma pergunta ligeiramente diferente: “Desde quando a maçonaria é considerada uma rede de contatos, um networking?”

No século XVIII, seu “século de ouro”, tanto na Grã-Bretanha onde ela viu a luz quanto na França de onde ela se expandiu por toda a Europa, ela não era vista como uma rede. Ela era, antes de tudo, um local transversal onde se frequentavam homens vindos de diferentes horizontes sociais. Nesta época, a maçonaria, poderíamos dizer, participava de uma rede, mas é aquela que os historiadores chamam hoje de “Redes sociais”: quadros pouco institucionais onde se trocavam livremente ideias, ou onde se confrontavam pontos de vista, apesar da diferença de condições, evitando cuidadosamente o que pudesse gerar atritos (a política, a religião). Havia, sim, outros: os gabinetes de leitura, os salões literários, as sociedades hedonistas – sobretudo na Inglaterra, invadida pela moda dos “clubes”. Nada de suspeito ou de equívoco em tudo isso.

No século XIX, quase que exclusivamente na França, a maçonaria vai se engajar, em parte  apesar dela mesma, em um combate em favor da República e contra a Igreja. O historiador – não maçom – Pierre Chevalier, que fundou na França a história moderna da maçonaria tinha proposto chamar esta maçonaria posterior a 1850 de “A Igreja da República”. É muito bem visto… mas isso não constitui também uma rede. Bem ao contrário: é em plena luz do dia – talvez luz do dia demais – que a maçonaria vai realizar esta ação, assumindo de alguma forma o papel e a função de um partido político em um tempo em que os partidos não existiam!

Eu chego, assim, a esta conclusão muito simples: lançou-se contra a maçonaria a acusação de ser um conchavo, e muito tarde, quer dizer, muito recentemente: não antes dos anos 30, com os primeiros “casos” em que alguns maçons se envolveram. Na realidade, isso não representa mais que uns trinta anos desde que esta ideia se tornou uma obsessão dos semanários…

É preciso reconhecer que a ondes de escândalos financeiros que começou a se produzir ao final dos anos 80, e sobretudo nos anos 90, embora sobretudo restrita na essência a uma obediência, deu amplamente crédito à suspeita em relação a toda a maçonaria junto ao público em geral.

Ou, é preciso sublinhar um paradoxo que vivem todos os maçons atuais no dia-a-dia: estes “maçons malandros” procurando uma rede obscura na sombra das lojas, em sua maioria eles nunca a encontraram. É uma verdade simples e que se exprime em poucas palavras: a imensa maioria dos maçons não vem à maçonaria para encontrar ali uma rede de contatos. Para melhorar suas receitas e melhorar sua carreira, existem redes muito bem organizadas, como as dos antigos alunos de grandes escolas, por exemplo, mas a maçonaria não funciona claramente segundo este projeto.

Então, a rede maçônica é uma invenção da mídia?

Não, certamente. Todo grupo humano estruturado, estabelecendo relações de proximidade entre seus membros pode ser desviado. Isto já se viu e será visto no futuro. Mas, por que a maçonaria usa com frequência a metáfora familiar e fraternal?  As relações entre os membros  de uma (verdadeira) família não são puramente afetivas e intelectuais? Existe uma amizade – mesmo fraternal – e existem os princípios que ela proclama e que são inseparáveis.

Os princípios da maçonaria são a dignidade da pessoa, a autonomia do sujeito, o respeito pela liberdade de consciência e a solidariedade humana: e não a cumplicidade duvidosa. E sobre este ponto, depois de três séculos, seu discurso jamais variou. Por que não o escutar?

Revista História – http://www.historia.fr/ – Paris – Abril 2012

5 comentários em “Maçonaria – Fraternidade ou Networking?

  1. Boa noite, José Filardo!

    Aproveitando o gancho da discussão e os cometários dos amigos aqui…

    É possível derrubar e acabar com esse conservadorismo que não tem relação com a maçonaria, sim? Ou seja, é possível desencorajar os ditos “maçons conservadores” a permanecerem na maçonaria?

    E outra pergunta…

    Qual o motivo de não existir o Grande Oriente Francês no Brasil?

    Att. Jean Roberto

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    1. Brother Jean,

      Seu questionamento é muito pertinente. Mas a resposta não é muito simples. A Maçonaria é originalmente uma instituição conservadora, na medida em que pretende “conservar” usos do passado, tradições antigas, ideais “fora de moda”. Ela nasceu evolucionária na medida em que subvertia uma visão do mundo medieval centrada na religião e na igreja mas perdeu a briga com a maçonaria tradicional irlandesa que lhe impôs um retorno aos valores conservadores da maçonaria operativa.

      Quem recolheu a tocha revolucionária abandonada por ela em 1813 foi a Maçonaria francesa que promoveu a maçonaria liberal e politizada, ao contrário da maçonaria conservadora “regular” de Londres que fazia questão de cumprir a proibição de discussão de política e religião em loja.

      Isso tudo criou duas vertentes de Maçonaria. A vertente francesa desembarcou no Brasil e deu origem ao Grande Oriente do Brasil, participante, politizado, aguerrido, intervencionista, na melhor tradição liberal.

      Mas, as preocupações com “reconhecimento” de outras potências levou o GOB a celebrar um tratado com a GLUI que o tornou “regular e reconhecido” do ponto de vista da maçonaria conservadora.

      Ficamos, assim, no Brèsil, com uma maçonaria esquizofrênica: ideologicamente francesa e obrigada a ficar na camisa de força inglesa.

      Os candidatos brasileiros sempre ouviram falar daquela maçonaria que “fez” a independência, “proclamou” a República, “libertou os escravos” , ou seja, uma Maçonaria atuante e política. Ao adentrar nossos portões, descobrem uma instituição paralisada por essa dicotomia, muito pouco atuante, já que impera a noção de que “a Maçonaria não faz nada, quem faz são os maçons”, onde a instituição se recusa a manifestar suas posições, já que não quer desagradar gregos e troianos entre seus membros.

      Assim, tenho más notícias para você. Os conservadores são a imensa maioria dos maçons brasileiros. Eu diria que 95% deles. Os progressistas é que estão no lugar errado. Mesmo tendo o Rito Moderno como uma espécie de válvula de escape (apesar de que conheço muitas lojas do Rito Moderno tão conservadoras quanto as outras, porque aqueles modernistas não entenderam do que se trata) os progressistas não conseguem impor sua visão de mundo, já que são limitados pelo “reconhecimento” da GLUI.

      Quanto à sua segunda pergunta, há que considerar que as Potências maçônicas são instituições nacionais. A GLUI, diferentemente, pela natureza herdada do imperialismo britânico, ainda mantém Províncias fora do Reino Unido, mais como “clubes” para acolher ingleses locais e viajantes.

      Nos últimos anos, o Grande Oriente de França, formou algumas lojas fora da França, por exemplo, em Londres existe uma, na Espanha existem várias.
      No Brèsil, temos simpatizantes da ideia de criar uma província francesa por aqui. Temos até um grupo “Amigos do GODF: no Whatsapp e um blog https://amigosgodf.wordpress.com .

      Você é bem-vindo ao clube!!!

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  2. Tira uma duvida, por favor. Por quê a instituição Maçonaria apoia um candidato que põe em risco a existencia da instituição, como ocorreu com a instituição do AI5?

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    1. Caro Jones,

      A Maçonaria não apoia ninguém. Os maçons é que agem individualmente.

      Em todo o mundo, embora menos na França, a maçonaria atrai mais conservadores que progressistas. No Brasil, então, nem se fala. Por aqui, temos uma imensa maioria de irmãos conservadores e reacionários.

      Isso, somado à inexperiência política brasileira e à proverbial incultura tupiniquim (ninguém lê, estuda-se pouco) e à criminosa influência da mídia (leia-se Rede Globo) produzem esse aborto da natureza que é um maçom apoiar um candidato que contraria todos os princípios da instituição à qual ele pertence e que lhe cobra um papel na sociedade segundo princípios bem definidos.

      Como sempre, o brasileiro não leva nada a sério.

      Finalmente, considerando que existe essa percepção da sociedade de que a Maçonaria é conservadora, reacionária e retrógrada, não há risco para sua existência.

      É triste, mas é a realidade.

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