Tradução J. Filardo

Por Vinson Cunningham *

Ilustração de Cleon Peterson

 

O inferno é um antigo quarto na casa da imaginação humana, e os antigos adoravam oferecer o passeio. Durante séculos, demos muita atenção aos detalhes da punição e deixamos o Céu lamentavelmente subestimado.

 

Quando eu era uma criança de dez ou onze anos de idade, recém-retornado a Nova York depois de alguns anos morando em Chicago, comecei a acompanhar minha mãe a uma igreja no Harlem, em uma sala baixa e iluminada pelo sol, ao sul da Rua 125. Todos os domingos, o serviço começava com uma procissão. O órgão Hammond começaria a tocar, e os ministros, carregando suas Bíblias, seguidos pelo pastor, entrariam em fila, cantando uma canção. Ela dizia:

Esta é a igreja do Senhor e Jesus é o Senhor!
Esta é a igreja que foi estabelecida com base em sua Palavra.
Esta é a igreja que o amor está construindo; as portas do inferno não prevalecerão!
Esta é a igreja do Senhor e Jesus é o Senhor!

Era para ser uma canção feliz – você podia dizer por sua insistência confiante no reinado de Cristo, pelo tom principal embaralhado em que era tocada, e pelos sorrisos e falsetes ad-libs que provocava da multidão. Mas, ou lá no santuário ou mais tarde, deitado na cama, eu às vezes me fixava um pouco sobre os portões do Inferno. Meu pai morreu recentemente e comecei a imaginar onde ele estaria. Haviam me garantido que ele estava no céu, mas eu poderia dizer, mesmo então, que ele não tinha sido um santo. Às vezes eu o imaginava envolto em luz, dissolvendo-se no culto interminável ao redor do trono de Deus. Outras vezes, ajudado pelos relatos de meus professores jesuítas, eu o imaginava esperando, um tanto aborrecido e um pouco entediado – inquieto, como muitas vezes parecia estar em vida – na longa fila cósmica do Purgatório. Também era possível, eu tinha que admitir, o Lugar Ruim, que, até então, eu pensava ser, no máximo, o lado de baixo do céu, sem ar condicionado.

Aqui, porém, estava uma ideia diferente. O Inferno, de acordo com a lógica da música, não era apenas um lugar sob meus pés para o menor dos mortos, mas uma força governando uma grande parte do mundo ao meu redor, reunindo tropas e lutando contra o bem. Mais imediatamente angustiante do que a perspectiva de ir para lá era a ideia de que ele poderia estar vindo na minha direção, determinado a se apoderar de mim antes mesmo da minha morte. “Satanás desejou ter você”, meu novo pastor às vezes pregava, citando as palavras de Jesus ao apóstolo Pedro, “para que ele possa peneirar você como trigo”. O inferno já me ocupara antes mesmo de eu soubesse da guerra?

 

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