Ao Capítulo ……….

Queridos Irmãos,

S⸫ S⸫ S⸫

Completo esse mês de novembro, exatos 42 anos desde minha iniciação na Ordem Maçônica, e constato que ainda sou uma pedra muito bruta, com um enorme trabalho pela frente empregando malho e o cinzel, e vejo que essa obra já está bastante atrasada.

Em todos esses anos, jamais senti necessidade de prosseguir minha senda nos altos graus.  O simbolismo me bastava, apesar de sua simplicidade e apesar do fracasso da pedagogia maçônica no simbolismo. No meu caso, fracasso que só constatei nos últimos anos, quando me dediquei com maior aplicação ao estudo da filosofia que informa a Maçonaria.

Constatei que é negado aos Mestres do simbolismo o conhecimento fundamental para a compreensão do caminho do Maçom, que ele só é revelado (mais ou menos) se o maçom prossegue na senda dos Altos Graus.

Um teste que sempre faço é perguntar a um Mestre quantos segredos ele conhece de Maçonaria que não pode revelar. A resposta é sempre o padrão: sinais, toques e palavras (que podem ser encontrados na Internet).

Raramente sou surpreendido e constato, assim, que entre os Mestres reina um desconhecimento completo dos graus simbólicos e até mesmo mestres que cursaram os Altos Graus parecem desconhecer o verdadeiro espírito da Maçonaria e o Caminho do Maçom.

Sendo assim, aceitei o convite para integrar o Capítulo onde esperava avançar em minha formação maçônica nos Altos Graus.

Desde o primeiro momento em que tomei conhecimento do que era a Maçonaria (na adolescência) eu soube que, no Brasil pelo menos, seus membros eram conservadores se não francamente reacionários). Eu via isso em meus primos e outros conhecidos maçons. Mas, ao mesmo tempo, conheci maçons que por seu comportamento em sociedade eram pessoas absolutamente admiráveis. Esses, provavelmente, eram maçons que conheciam os segredos.

Apesar do conservadorismo e reacionarismo da Ordem, sendo bisneto e sobrinho de maçons e apesar de esposar ideias bem mais progressistas, decidi ingressar, com aquela ilusão romântica de que seria possível trabalhar de dentro para fora, e até constatei com agradável surpresa que existia uma minoria de maçons progressistas, o que me permitiu continuar na Ordem.

Foi então que aconteceu a desgraça. A extrema-direita assumiu o governo do país através do golpe de estado de 2016 e outras manobras ilegais nos anos seguintes.  E metade da população brasileira revelou sua verdadeira personalidade e colocou a nu seu verdadeiro inconsciente coletivo, suas verdadeiras cores. Um espetáculo de miséria moral e desprezo pelos valores democráticos e humanistas mais básicos.  

Infelizmente, entre essa população, estão muitos maçons brasileiros e, revelou-se então um tipo inconcebível de maçom: que apoia a pena de morte; para quem bandido bom é bandido morto; que apoia o sucateamento da saúde, da educação, do patrimônio pátrio (vendido a preço vil ao capital estrangeiro); que não se importa com a injusta distribuição de riquezas; que não defende os direitos da população e o meio-ambiente, enfim, maçom que não respeita os direitos humanos.

E, o que é pior, considerando que o exemplo dos Mestres é o principal elemento pedagógico do simbolismo, essa virtual destruição dos valores maçônicos fundamentais afeta e afetará inexoravelmente o futuro da Maçonaria no Brasil.

Pois bem, estamos retornando à normalidade da vida institucional; o país retorna ao concerto das nações civilizadas, mas o mal está feito. Nem o país nem a Maçonaria serão os mesmos, jamais. O mito do “brasileiro como homem cordial” de Sergio Buarque de Holanda está destruído pelo menos na parte meridional do Brasil, assim como o mito do maçom de reputação ilibada e de bons costumes. 

Testemunhamos em parte da população um crescimento de manifestações de intolerância e desprezo pelos ideais democráticos, revelando até mesmo a exumação de ideias incompatíveis com a civilização que no passado provocaram episódios odiosos e revoltantes.  Tenho dificuldade em conviver com o maçom pós-golpe. Não sou tolerante.

Desde o início, sempre discuti em loja a questão da Tolerância como valor maçônico e sempre defendi que isso é um enorme engano. Não há que haver tolerância em relação a defensores de valores desumanos.

Sempre cultivei o Respeito. Sim. Respeito por ideias diferentes das minhas. Mas isso não inclui os valores revelados nessa última quadra, sejam eles adotados por maçons ou “profanos”.  

Sei que isso dificultará minha vida maçônica pois, com poucas exceções, as lojas têm em seus quadros um grande número desses maçons revelados no pós-golpe.  Não se trata de misturar política com maçonaria, mas de reconhecer como maçom alguém que não comunga os mesmos ideais.

Ainda não estou preparado para prosseguir no Caminho do Maçom nos altos graus.  Peço ao Ir⸫ Secretário a fineza de registrar meu afastamento. Tentarei retornar quando minha pedra estiver polida.

Fraternalmente,

F.



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