Tradução J. Filardo
Por: Stephanie TROUILLARD

Por ocasião do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, France 24 se debruça sobre aqueles que não foram deportados. Em seu último livro, o historiador Jacques Sémelin conta como investigou os mais de 200 mil judeus que, na França, não foram levados aos centros de extermínio. E isso não se deve a nenhuma proteção do regime de Vichy.
Esta é a história de uma questão. Em 2008, o historiador Jacques Sémelin teve um encontro com a ex-deportada e ministra Simone Veil. Durante a conversa, aquela que depois entrou no Panteão, pergunta a este especialista em crimes de massa: “Como é que tantos judeus conseguiram sobreviver na França, apesar do governo de Vichy e dos nazistas?”.
A França tem, de fato, uma particularidade. O historiador Serge Klarsfeld estabeleceu que dos quase 320.000 judeus residentes na França antes de 1940, cerca de 74.150 foram deportados, uma taxa de sobrevivência de 75%, uma das mais altas da Europa nazista, enquanto apenas 25% dos judeus da Holanda e 45% dos judeus da Bélgica sobreviveram. Uma exceção francesa ainda pouco documentada.
Jacques Sémelin decidiu então abordar esta questão e dedicou dez anos de pesquisa a ela. Em seu último livro “Um enigma francês, por que três quartos dos judeus na França não foram deportados” (Albin Michel), ele relata essa longa investigação.
“Fazê-los existir enquanto judeus perseguidos”
Ao contrário ao que afirma, por exemplo, o candidato presidencial Éric Zemmour, este balanço menos pesado do que na maioria dos países submetidos aos nazistas não deve ser creditado a qualquer proteção dos judeus franceses pelo regime de Vichy, liderado pelo marechal Pétain. “Isso não faz sentido. Não pode ser encontrado nos arquivos. Éric Zemmour joga com a ignorância das pessoas”, insiste Jacques Sémelin, que lembra em seu livro a própria legislação antissemita de Vichy, a participação de sua polícia no contexto das prisões e, claro, o fato de que 24.500 judeus franceses foram de fato deportados.
Para entender como a maioria dos judeus na França não foi levada para os centros de extermínio, o historiador conheceu muitos deles. Durante muito tempo, aqueles que sobreviveram foram pouco ouvidos. “Eles ainda têm um sentimento de culpa. Muitos me disseram que não tinham muito o que me dizer, mas quando cheguei na casa deles, a bobina de fita do gravador acabava por se desenrolar”, conta Jacques Sémelin. “Eu queria restaurar a palavra deles para fazê-los existir enquanto judeus perseguidos na França pelas leis de Vichy. Eles conheceram o medo, as separações, as mudanças de endereço. Eles também sofreram.”
“As Redes Sociais”
A primeira e mais óbvia razão de sua sobrevivência é que muitos deles conseguiram chegar à zona não-ocupada e se esconder em lugares remotos em uma França ainda muito rural. “Dois terços dos judeus da França partiram para a zona livre e se dispersaram por toda parte”, descreve ele. “Deve-se notar também que aqueles que falavam francês e tinham mais dinheiro se saíram melhor.” Jacques Sémelin estima, no entanto, que na primavera de 1944, 40.000 judeus ainda viviam em Paris, enquanto os de Varsóvia ou Amsterdã já haviam sido praticamente todos exterminados.
O historiador explica isso em particular graças às “redes de sociabilidade”. Os judeus franceses, socialmente integrados, podiam em princípio contar com seus amigos, seus vizinhos e seus colegas para ajudá-los. Jacques Sémelin também refuta a ideia de uma população francesa profundamente antissemita. Além dos 4.000 Justos franceses, ele também toma como exemplo as batidas policiais do verão de 1942. “No momento daquele de Vel d’Hiv em julho, aconteceu algo que ninguém esperava. Os nazistas e Vichy planejavam prender 27.000 judeus, a maioria estrangeiros, mas no final capturaram ‘apenas’ 13.000, embora sejam 13.000 demais.”
E isso, graças à reação de uma parte da população parisiense que alertou e ajudou as vítimas a fugir. “Muitos não suportaram que se começasse a prender mulheres e crianças”, disse ele.

“Nem tudo é permitido contra eles”
Ao mesmo tempo, em quase todos os lugares da França, redes de apoio também foram criadas nas igrejas católica e protestante. Também se levantam vozes, como a do Arcebispo de Toulouse, Monsenhor Saliège que, em um sermão datado de 23 de agosto de 1942, clama pela fraternidade. “Que crianças, mulheres, homens, pais e mães sejam tratados como um vil rebanho, que os membros de uma mesma família sejam separados uns dos outros e embarcados para um destino desconhecido, foi reservado ao nosso tempo ver este triste espetáculo”, escreveu em uma carta pastoral dirigida aos sacerdotes de sua diocese para ser lida no domingo em todas as igrejas. “Os judeus são homens, as judias são mulheres. Nem tudo é permitido contra eles, contra esses homens, contra essas mulheres, contra esses pais e mães de família. Eles fazem parte da raça humana.”
Esta chamada é então retransmitida pela BBC e até pelo New York Times. “Ela teve um impacto muito grande. Estou entre os que consideram que o sermão de Monsenhor Saliège não tem o lugar que merece na nossa memória nacional. Ele ainda nos fala hoje”, disse Jacques Sémelin.
Quatorze anos após a pergunta de Simone Veil, o historiador aceitou seu desafio. “Trata-se apenas de restabelecer os fatos e é a melhor resposta às falsificações da história”, insiste. Sem esquecer os 74.150 homens, mulheres e crianças deportados da França que morreram em sua maioria em Auschwitz, Jacques Sémelin destaca estas palavras de Serge Klarsfeld: “Na Europa ocupada pela Alemanha de Hitler, a França é o país onde os judeus sofreram proporcionalmente menos perdas”.
Original em francês publicado no site de France 24