Tradução J. Filardo

por  Vincent Bordenave

 

 

O original da carta que levou Galileu a ser julgado por heresia após afirmar que a Terra não era o centro do universo foi encontrada.  Quase 400 anos depois de seu julgamento, ela prova que ele tentou minimizar suas convicções perante os inquisidores.

“E ainda assim, ela gira!” Encurralado pelos inquisidores, Galileu teria, segundo a lenda, pronunciado esta frase para si mesmo depois de ter sido forçado a renegar sua teoria que colocava o sol no coração do nosso sistema solar. Abjuração que, se salvou a sua vida, não terá sido suficiente para evitar a punição.  Em 1633, o astrônomo italiano foi condenado por heresia, uma sentença imediatamente comutada pelo papa para uma sentença de prisão domiciliar.

Vinte anos antes desse terrível julgamento, Galileu escreveu o que se tornaria uma das peças mais pesadas de sua condenação. Ele escreveu uma carta de sete páginas a seu amigo matemático Benedetto Castelli, na qual ele detalha sua teoria e maltrata a Bíblia e as Sagradas Escrituras.  O original desta carta foi encontrado por Salvatore Ricciardo, um estudante italiano de pós-doutorado. Ela era conservada pela Royal Society of London desde o século XVIII. Mal catalogada, ninguém parecia ter percebido isso antes.

A história é contada pelo site da revista Nature.

Não é este original, mas uma cópia desta famosa carta, que desencadeou a ira da Igreja.  Para se defender, Galileu explica que a versão que seus acusadores têm na mão é uma falsificação forjada por seus inimigos. Ele não contesta completamente o fundo, mas assegura que esta cópia é muito mais violenta do que a que ele produzira.

Quase 400 anos depois, finalmente sabemos que não é assim.  Pelo contrário.  Em sua primeira versão, ele se referia a uma passagem na Bíblia como “falsa se confiarmos no significado literal das palavras”.  Ele riscou a palavra “falsa” e substituiu-a por “parece diferente da verdade”. Essas correções sugerem que Galileu queria evitar o conflito com a Igreja Católica e procurava pesar suas palavras.

Galileu vítima de conflito entre as igrejas

É difícil saber se o astrônomo conseguiu enganar os inquisidores.  A partir de 1616, apenas um ano após a descoberta da famosa missiva, Galileu é formalmente advertido e convocado a não mais apoiar a ideia de que a Terra gira em torno do Sol, uma teoria desenvolvida 70 anos antes pelo astrônomo polonês Nicolas Copérnico. “Galileo caiu um pouco na hora errada”, conta Yael Naze, astrofísico da Universidade de Liège. “Não só Copérnico não estava na lista negra, mas ele não era o único a sustentar esta teoria. No século XIII, há até cardeais que explicam que vários mundos coexistem, que podem existir outras formas de vida em outros planetas.  Se Galileu tivesse vivido em um país protestante, provavelmente nada teria acontecido com ele. “No século 17, as igrejas protestantes não eram tão inflexíveis quanto a Igreja Católica, que então estava enfraquecida.  “Era preciso que Roma reagisse e mostrasse que estava defendendo a Bíblia, a fé com firmeza”, continua Yael Naze. “E Galileu pagou o pato.”

Um gênio, mas um mentiroso como qualquer outro

Galileu, ele, não se desmoraliza. Em 1632, publicou o livro Diálogo sobre os dois grandes sistemas do mundo, uma argumentação sobre as diferentes evidências que sustentam (ou não) os dois modelos, geocêntrico ou heliocêntrico.  Em resposta, a Inquisição o convoca a Roma para submeter-se a seu julgamento, o que levará a sua abjuração.

“O problema de Galileu era que ele estava expondo sua teoria sem provas reais”, diz Yael Naze.  “Mesmo que ele estivesse certo, era impossível no século XVI provar que a Terra girava em torno do Sol. O sistema heliocêntrico era na verdade mais lógico.  Ele simplificava todos os cálculos astronômicos. “Galileu não dispunha das ferramentas para provar sua teoria, ele não hesitava em distorcer os fatos ou inventar para convencer seus interlocutores. “Galileu era um gênio que havia entendido que o sistema aristotélico não funcionava. Mas ele também era um ser humano que tinha suas falhas e não hesitava em mentir quando se sentia encurralado”.

 

Publicado em Le Figaro