Tradução José Filardo

Por Equipe Spiegel

Os tumultos em Colônia, no final de outubro mostram que há um novo perigo na extrema direita da Alemanha. Neonazistas e torcidas organizadas, os “hooligans” se uniram para ir atrás de islamitas salafistas. Muitos estão se perguntando por que as autoridades não reconheceram o desenvolvimento mais cedo.

Policia em Colônia
Policia em Colônia

Horas depois do seu golpe, a multidão barulhenta ainda estava se divertindo com o seu sucesso inesperado. Um “hooligan” cujo nome de guerra é “Bo Ne,” postou feliz: “Aparecemos nas manchetes do mundo inteiro. Rússia, Turquia, Suíça, Espanha, França – primeira meta atingida.”

Era uma visão compartilhada por quase todos nos quatro fóruns fechados que pertencem ao grupo chamado “Hooligans gegen Salafisten” (Hooligans contra salafistas). Com mais de 3.000 membros, a rede é uma associação frouxa de neo-nazistas, nacionalistas e desordeiros do futebol – e seus posts deixam claro que eles não achavam que estavam sendo monitorados. Um deles lamentou não ter trazido um machado à demonstração para “destruir todo o Islã.” Bo Ne e outros, no entanto, estavam totalmente satisfeitos. A Alemanha, ele escreveu, agora viu “o que significa enganar um povo por 70 anos.”

E: “Colônia foi apenas o começo.”

A manifestação teve lugar no último fim de semana em outubro e viu quase 5.000 manifestantes de extrema direita e hooligans marchar por Colônia, muitos deles claramente procurando encrenca. Incentivados pela banda de rock de extrema direita, Kategorie C (que canta versos como: “Hoje eles estão cortando as gargantas de ovelhas e vacas, amanhã podem ser crianças cristãs”), eles encheram o centro da cidade de Colônia com o seu ódio. Os turistas e transeuntes saíram de seu caminho.

No momento em que a marcha chegou ao fim, 49 policiais tinham sido feridos, uma van da polícia tinha sido virada e muitas outras propriedades sido danificadas. A polícia de Colónia rapidamente montou uma unidade especial de investigação composta por 36 oficiais. Os procuradores da República dizem que 32 suspeitos já foram identificados e 72 investigações completas foram abertas.

Fenômeno inesperado

Mas as perguntas não faltam quanto a como tal coisa pode ter acontecido. E o medo do que vem a seguir também é generalizado. Assim que violência em Colônia tinha chegado ao fim, datas para novas manifestações em outros lugares na Alemanha começaram a circular.

O fenômeno é inesperado. Milhares de torcedores arruaceiros parecem ter deixado seus clubes de futebol para trás em favor de uma união contra um inimigo comum: o perigo presumido do Islã. Além disso, eles juntaram forças com neonazistas e outros racistas. Ninguém, ao que parece, pensou que tal aliança profana fosse possível.

A reação política foi rápida. Lorenz Caffier, o ministro do Interior do estado do norte alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental rapidamente colocou a questão na agenda para a próxima reunião de ministros de estado do Interior. O seu homólogo da Baixa Saxónia, Boris Pistorius exigiu a criação de uma força-tarefa especial da polícia. Enquanto isso, representantes de clubes de futebol de todo o país expressaram choque e consternação com a violência demonstrada em Colônia.

No entanto, apesar das reações apressadas, o fenômeno é algo que tem se desenvolvido há algum tempo. Desde fevereiro de 2012, autoridades de segurança tiveram evidência sólida de que grupos de hooligans tradicionalmente adversários estavam estabelecendo laços e derivando para para a franja da direita. Naquele mês, o  Borussenfront  – um grupo de arruaceiros de direita que teve seu ápice na década de 1980 – convidou representantes de outros grupos de hooligans para um “intercâmbio entre clubes” em uma fazenda na Renânia.

Os membros de 17 “firmas”, como eles chamam a si mesmos em imitação de seus colegas britânicos, compareceram ao encontro vindos de todo o país, muitos deles veteranos idosos de batalhas passadas. Eles beberam muita cerveja e recordaram – uma espécie de reunião de classe para bandidos.

Os “Novos Caçadores”

Um participante lembrou que os representantes do Borussenfront desabafaram sobre o esquerdista Ultras, reclamando sobre seus truques publicitários, tais como procurar combater o racismo nos estádios de futebol da Alemanha. E no final, aqueles reunidos no evento concordaram em “colocar os Ultras no lugar deles.” No final da noite, eles deram ao seu novo grupo um nome: “Gnu Honnters” um trocadilho ruím em alemão para “Novos Caçadores” . Em uma foto de grupo, quatro dos presentes pode ser vistos fazendo a saudação a Hitler.

Desde então, grupos Ultra de esquerda em Aachen, Dortmund, Duisburg, Braunschweig, Düsseldorf e em outros lugares dizem que foram ameaçados, perseguido e espancado por hooligans. Alguns grupos Ultra, como aquele em Aachen recuaram diante da nova ameaça.

O sucesso dos vândalos na batalha contra a Ultras resultou em uma enxurrada de novos membros de extrema-direita. Reuniões começaram a atrair participantes que tinham sido previamente ativos no “Nationalen Widerstand” (Resistência Nacional) ou em grupos agora proibidos, como o “Kameradschaft Aachener Land.”

No início de 2013, de acordo com autoridades de segurança, o Gnu Honnters se gabava de ter 300 membros. Eles foram a concertos da Kategorie C e participaram de torneios de futebol, tais como a “Copa Swastika” em Karlsruhe, onde os hooligans reuniram-se com os neonazistas de Duisburg, Dortmund e Baden-Würrtemberg.

Os clubes de futebol tradicionais da Alemanha afirmam que eles nada sabiam sobre o desenvolvimento. Muitos dirigentes acreditavam que o vandalismo, uma vez generalizado na Alemanha, tinha essencialmente morrido – apesar do fato de que as batalhas campais continuavam a acontecer fora dos estádios a cada fim de semana.

A exemplo do Dortmund mostra que, por um período prolongado, o fenômeno não foi suficientemente levado a sério. De fato, os hooligans de extrema-direita tinham até mesmo conseguido encontrar empregos dentro próprio serviço de segurança do clube. Foi só um ano e meio atrás, quando Thilo Danielsmeyer, uma assistente social do Borussen Fanprojekt, foi espancado durante uma partida fora de casa, em Donetsk, que o clube acordou. Dois homens atacaram Danielsmeyer no banheiro, gritando “Dortmund vai ficar na direita!”

O clube Borussia Dortmund respondeu com campanhas antirracismo, projetos de filmes e cartazes, além de impor proibição de acesso a estádios a alguns agitadores de direita. “É assim que você demonstra à direita que eles não são desejados no futebol”, diz Danielsmeyer. Mas ele estava preocupado com o fato de que aqueles excluídos pelo clube foram aparentemente recrutados por extremistas de direita. Em Dortmund, um neo-nazista os convidou para uma sessão de treinamento conjunto em sua academia de boxe.

Ainda mais radical

Os legisladores também fizeram corpo mole diante do desenvolvimento. Depois de um relatório sobre a infiltração da direita em grupos de fãs apareceu no Spiegel Online, no início de 2014, o Partido de Esquerda no parlamento alemão propôs um inquérito oficial. A resposta é um documento de falta de noção. Conhecimento sobre redes de hooligans? “Nenhum”. Sobre as operações visando grupos de fãs antirracistas? “Nenhum”. Sobre a cooperação entre os hooligans e os extremistas de direita? “Nenhum”. Os dirigente, , no entanto, prometem “acompanhar atentamente” novos desenvolvimentos.

Enquanto isso, a rede neonazista-hooligan tornou-se ainda mais radical, com alguns deles à espera de uma oportunidade para orientar o grupo em uma direção política. Acontecimentos no Iraque e na Síria foram exatamente o que estavam procurando, sobretudo tendo em conta a proliferação de grupos pró-Estado Islâmico Salafista na Alemanha.

Os arruaceiros adotaram seu novo nome – Hooligans gegen Salafisten, ou Hogesa – e esperavam receber amplo apoio popular com sua luta contra extremistas islâmicos. Um membro do fórum postou em uma sala de bate-papo: “Os avós vão nos amar.”

No início deste ano, a aliança direitista-hooligan confrontou seu inimigo recém-descoberto pela primeira vez, com até 200 deles comparecendo a participações do notório pregador salafista Pierre Vogel em Mönchengladbach e Mannheim. Uma das manifestações foi convocada pelo hooligan neonazista Christian Hehl, que foi eleito para a câmara de vereadores da cidade de Mannheim no verão. Durante este período, gangs de rock – um outro grupo de homens com uma predileção pela violência – também passaram a fazer parte do círculo íntimo da Hogesa.

Em suma, as autoridades deviam ter sabido o que estava por vir antes que a orgia de violência fosse vista em Colónia. Mas eles continuaram a ignorar a nova aliança de direita. Apenas algumas semanas atrás, a unidade policial responsável pelo combate à violência no futebol na Alemanha relatou que conhecia apenas 400 hooligans de futebol “de motivação direitista” no país. Não muito tempo depois, o Ministério do Interior alemão comentou que “até agora, uma aliança entre os hooligans e os extremistas de direita” não pode ser observada. Autoridades de inteligência domésticas estavam convencidos de que apenas um punhado de direitistas pertencia à Hogesa.

Mas na marcha em Colônia, grupos de manifestantes entoavam cantos neonazistas muito conhecidos, como “Alemanha para os alemães, fora os estrangeiros!” e “Nós somos a resistência nacional!” Estava evidente que era necessária apenas uma pequena fagulha para provocar um incêndio maior. De acordo com um relatório da polícia interna, ela veio às 3:49 da tarde, na forma de várias pessoas vestindo camisetas do clube de futebol de Istambul, Galatasaray, e mostrando aos manifestantes de direita o dedo médio enquanto disparavam fogos de artifício. A situação escalou imediatamente e, finalmente, a multidão começou a agredir a polícia.

Alguns oficiais foram até mesmo obrigados a sacar suas armas quando confrontados por manifestantes mascarados armados com facas. O relatório da polícia não deixa dúvidas quanto aos pontos de vista políticos da multidão: Os participantes, eles observam, eram “predominantemente membros da cena de torcedores “hooligans”, bem como os membros da rede de extrema direita.”

Um inquérito interno foi agora iniciado em um esforço para determinar como as autoridades puderam ter estado tão equivocadaa em suas avaliações anteriores ao tumulto. Um investigador acredita que a rede Hogesa foi capaz de se desenvolver em um vácuo que existia entre duas agências governamentais. A polícia é responsável pela segurança do estádio e por grupos de fãs com tendência à violência, mas está manifestamente pouco interessada em suas inclinações políticas. Agentes de inteligência doméstica, por outro lado, monitoraram grupos extremistas, aos quais os hooligans tradicionalmente não pertenciam. “Eles habilmente aproveitaram o nicho que disponibilizamos”, disse o investigador.

Ainda assim, o Escritório Federal para a Proteção da Constituição – enquanto agência doméstica de inteligência da Alemanha é conhecido – tinha tido a Hogesa em seu radar desde o início do ano, e teve um pressentimento de que algo estava acontecendo. Antes da marcha em Colônia, oficiais federais de inteligência advertiram os seus homólogos estaduais em Düsseldorf que a cena hooligan era capaz de mobilizar um grande número de pessoas. O número de manifestantes, segundo eles, provavelmente excederia as expectativas oficiais de 1.500. Eles também alertaram para possível violência.

No evento, cerca de 1.300 policiais encontraram-se em desvantagem numérica, confrontando os 4.800 participantes da demonstração. “A situação foi claramente subestimada”, diz André Schulz, presidente da associação de policiais BDK. Ralf Jäger, ministro do Interior da Renânia do Norte-Vestfália, discorda, embora admita que a grande maioria dos participantes da manifestação era desconhecida para as autoridades de segurança. Um grupo de trabalho no escritório criminal do estado já foi encarregada de determinar se Colônia testemunhou um “gigantesco flash mob”, como o ministro do Interior alemão, Thomas de Maizière acredita, ou se o país está confrontando um novo e poderoso grupo de extrema-direita.

Um perfil neutro

A busca por aqueles por trás da Hogesa pode ser uma tarefa difícil. Os organizadores da manifestação de Colônia imediatamente passaram à clandestinidade e evitam publicidade. Um vídeo do YouTube foi lançado em que um orador mascarado aconselha aqueles que procuram informações adicionais a visitar o site da Hogesa.

O site foi registrado sob um endereço postal na cidade de Hennef, na Renânia do Norte-Vestfália e um número de telefone celular também foi fornecido. O homem que atende ao telefone diz que ele pode ajudar a entrar em contato com aqueles que operam o site da Hogesa, mas também diz que as entrevistas devem ser pagas. As manifestações, ele observa, são caras: Só a montagem em Colônia custou € 450.

Dominik Roeseler, vice-chefe estadual do movimento populista de extrema-direita Pro-NRW, igualmente procurou manter um perfil neutro após a demonstração. Foi ele quem registrou a manifestação antes de se retirar do comitê diretor sob a pressão da liderança do Pro-NRW.

Andreas K. foi o único dos organizadores da manifestação de Colônia que se dispôs a falar conosco. O proprietário de um estúdio de tatuagem, Andreas K. é conhecido na cena como “Kalle Grabowski” e desempenhou um importante papel de liderança na Hogesa. Ele tem quase cinquenta anos de idade, usa uma pesada corrente de ouro e seus braços estão cobertos de tatuagens. Nas manifestações anteriores da Hogesa, em Dortmund e Colônia, ele foi um dos oradores e liderou os participantes aos gritos de “Nós não queremos nenhum porco salafista!”

Mas agora ele diz que tem a intenção de virar as costas à Hogesa. A rede tornou-se grande demais, ele reclama, e impossível de liderar. “Eu não quero ser responsável por tumultos e violência”, diz ele. “Você não pode mudar nada com violência.” Ele também alega que não é um extremista de direita. “Eu nunca tive nada a ver com os nazistas”, ele insiste.

Maior popularidade

É tentador acreditar que ele não está sozinho em suas preocupações e que alguns dentro da Hogesa foram surpreendidos por sua própria violência. Mas, os investigadores estão céticos. Um investigador diz que ele não consegue ver nenhuma razão para que a rede hooligan-neo-nazista iria se reduzir: “Colônia foi um sucesso para eles e certamente gerará maior popularidade para eles”

A cena de direita parece estar antecipando ansiosamente a próxima oportunidade de enfrentar “sistema” odiado sob o manto do anti-salafismo. O blog islamofóbico “Politicamente Incorreto”, por exemplo, escreveu com entusiasmo sobre o que está chamando de “O Milagre de Colônia.” Um colaborador até pareceu desviar-se para o homo-erotismo, escrevendo sobre os “homens de verdade” que participaram da marcha, os “caras fortes que mostraram seus rostos à nossa pátria alemã.”

Die Rechte, um grupo dissidente neo-nazista, que também estava presente em Colônia, elogiou a Hogesa, dizendo que o grupo tinha “se estabelecido de maneira impressionante.”

O partido político neonazista NPD, que sofreu derrotas recentes dolorosas nas eleições estaduais da Saxônia e Turíngia, está agora esperando encontrar novo apoio entre os hooligans. “O potencial é enorme”, escreveu um oficial sênior do NPD em um comunicado. “O movimento tem o material de um movimento de massa real.” Outro oficial do partido, Ronny Zasowk, diz: “Agora é a hora de aproveitar politicamente”.

Destacados por seu silêncio, pelo contrário, tem sido o inimigo declarado da Hogesa: os salafistas. Mas o que poderia acontecer se eles buscassem o confronto com os hooligans de direita? A discussão mantida na página do Facebook de um salafista influente na semana passada forneceu uma dica. Alguém postou, em referência aos manifestantes em Colônia: “Eu teria cortado as gargantas de todos e de cada um deles.”

Por Maik Baumgärtner, Rafael Buschmann, Jörg Diehl, Hubert Gude, Sven Röbel, Christoph Ruf, Jörg Schindler, Fidelius Schmid, David Walden e Wolf Wiedmann-Schmidt