Augusto César Acioly Paz Silva[1]
A Política e a Maçonaria em Pernambuco nos anos 30
Os “Tempos de Getúlio Vargas”, que se iniciam com a Revolução de 1930, trouxeram para o cenário político mudanças substanciais, com o surgimento e aprofundamento das ações de novos atores políticos e sociais, que expressavam a dinâmica das forças que compuseram a chamada Aliança Liberal, uma verdadeira frente ampla, que na sua diversidade norteavam-se, tendo um opositor comum, as elites oligárquicas que controlavam o sistema político no período anterior ao movimento de 1930. Ao longo da sua estadia no poder, o político gaúcho e líder da “Revolução” passou por várias metamorfoses, indo do revolucionário ao ditador. Estas características de alguma forma sinalizam a complexidade que a chamada Era Vargas congregaria, principalmente no período anterior ao Estado Novo[2]. A realidade política, atravessada dentro do quadro nacional não deixou de forjar repercussões na cena política pernambucana. Os anos que antecederam a imposição da ditadura varguista, que teve como seu principal realizador Agamenon Magalhães (1937-45), revelaram modelos e projetos políticos, que após os primeiros anos revolucionários, se descolaram daquela frente ampla que constituía a Aliança Liberal e, passava a definir os seus contornos e interesses. Neste caso, tivemos grupos que, ao longo do governo de Carlos de Lima Cavalcanti, aliado de primeira hora em Pernambuco da Aliança e de Vargas, foram perfilando melhor os seus interesses e constituindo-se vozes e experiências políticas importantes, em torno de questões que, durante as décadas de 1930, impunham-se como horizontes de ordenamento político, social e cultural[3].
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No caso da maçonaria, a sua proscrição deu-se com a chegada do Estado Novo que fechava as atividades desta instituição. Seguindo a lógica dela, constitui-se num celeiro de difusão de ideias comunistas e judaizantes parceiros de um novo plano de dominação mundial. Os argumentos utilizados pelo representante do exército em Pernambuco, Azambuja Villanova, foi muito bem legitimado tendo esta tônica como centro de suas preocupações. Seguindo a lógica e difundindo um discurso antimaçônico fortemente influenciado por este viés antissemita e anticomunista que a época tinha referências teóricas em vários autores[9]. Villanova justificava a sua ação e de alguma maneira atendia aos clamores dos setores da intelectualidade religiosa e fascista que identificavam a Maçonaria como propagadora de valores dissolventes tanto na ordem religiosa quanto política[10].
A partir do mês de outubro de 1937 até o final do Estado Novo, teríamos tempos difíceis para a Maçonaria Pernambucana que ficaria sob o signo da ilegalidade e seus símbolos passariam a ser interpretados como sendo perigosos, diante de tal realidade e com a chegada do interventor Agamenon Magalhães, criado na filosofia da Congregação Mariana vinculado ao Colégio Nóbrega de propriedade dos jesuítas, tradicional educandário recifense e local de formação de um grupo de jovens intelectuais conservadores que como observou a historiadora, Silvia Cortez (2010) passaria a usufruir nos Tempos de Agamenon, dos espaços de poder e decisão do aparelho de Estado reforçando na política pernambucana o ideário ditatorial do Estado Novo, além de colaborarem na formação de um reduto conservador de matriz religiosa católica, elementos que se tornaram um entrave para que os maçons pernambucanos, mesmo quando outras agremiações maçônicas país a fora se reorganizam, possam retomar as suas atividades.
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Ao apresentar tal versão o Pe. Mosca, professor da Faculdade Manuel da Nóbrega, retomava a perspectiva de demonstrar que, por trás da defesa de questões que a Maçonaria elencava como sendo liberais ou “libertadoras”, estaria na verdade os seus interesses em manipular, combater e perseguir a Igreja Católica e o seu ideário. E, que, no caso específico da defesa a liberação política feminina, o objetivo maçônico seria na verdade afastar a mulheres do raio de influência da religiosidade católica. Outro foco de ataque à Maçonaria e que batia frontalmente nos interesses da Igreja Católica, como analisava o Jesuíta, voltava-se à educação e ao seu caráter laico, antiga arena de combate entre as duas instituições.
Justificando ainda, a posição das autoridades eclesiásticas do Recife, com relação à Maçonaria, o Padre Mosca destacava outros argumentos para combater o maçonismo e suas manobras. Entre elas, o fato de que a Maçonaria constituía-se num movimento paralelo ao comunismo, e, por conta desse aspecto, evidenciado pelos mais sagazes observadores, como justificava o jesuíta, o argumento definidor deste entrelaçamento, residia no fato de que tanto o comunismo quanto a Maçonaria, tinham uma preocupação comum, que as duas forças pretendiam camuflar, afastando assim os seus reais interesses, na visão do religioso a unidade da maçonaria e do comunismo centrava-se então, na implantação de um “Estado Marxista e uma Igreja Maçônica”.
Finalizando as suas considerações a respeito da resolução tomada pelo clero pernambucano, o Padre Mosca afirmava ainda que, a interdição dos maçons na participação das irmandades religiosas era completamente legal, uma vez que, além de ser uma instituição anticatólica, o envolvimento de fiéis católicos com a Maçonaria representava uma falta de fé.
Diante deste conjunto de argumentos, o Jesuíta concluía: “A Igreja com a expulsão dos maçons não fez nada mais de que cumprir seu dever, aplicando determinações já anteriormente impostas”
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Acreditamos que tais representações, mesmo sofrendo variações, ao longo do tempo, no que diz respeito às finalidades e associações maçônicas, acabavam condensando uma perspectiva bem precisa, ou seja, os maçons e a Maçonaria, devido à sua defesa aos ideais liberais, constituíam-se num perigoso agente na proliferação de projetos políticos e formas de pensamento que tendiam a romper com uma tradição, defendida pelos intelectuais católicos e conservadores pernambucanos.
Compreendermos estas construções ajuda a fornecer um olhar importante sobre a instituição, ao mesmo tempo em que, contribui para o aprofundamento do estudo de como as representações e as visões de intolerância são formuladas e reatualizadas ao longo do tempo histórico, conceito fundamental para pensar a maneira como as relações entre os intelectuais católicos, a Igreja e a Maçonaria colocaram no espaço público as suas visões de um em relação aos outros, perspectivas que ajudaram a fomentar tais representações.
Continuar a ler em Voltando à cena: a Maçonaria Pernambucana e o Fim do Estado Novo
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